Pavlo Klimkin, ministro dos Negócios da Ucrânia, veio a Portugal assinar o mapa de relações bilaterais entre os dois países. Sobre os objetivos da Rússia não tem dúvidas: toda a estratégia passa por fragmentar e dividir a Europa. Diz que é perigoso negociar com Putin
A Ucrânia está a celebrar o 25.º aniversário da independência. Qual o maior feito e o maior fracasso destes anos?
O maior feito é definitivamente a vontade e a disponibilidade do povo ucraniano para sacrificar-se pelo seu país e para que ele seja unido, democrático e europeu. A Ucrânia pós-soviética já não existe. Hoje somos um país novo. O maior falhanço foi termos demorado demasiado tempo a deixar para trás essa Ucrânia pós-soviética. Demorámos praticamente uma geração a consegui-lo.
Está a falar das mentalidades?
Estou a falar de todo o processo de reformas estruturais. Claro que isso também passa pelas mentalidades. Mas hoje a União Soviética já não existe na Ucrânia. O que existe são tentativas russas de criar instabilidade. A Rússia não se preocupa com o direito internacional. A única coisa que lhe interessa são os negócios.
A corrupção é outro falhanço?
A corrupção era algo endémico e sistemático na Ucrânia. Mas agora, em menos de dois anos, criámos uma infraestrutura completa para combater a corrupção, incluindo um gabinete de investigação e um tribunal, que irá entrar em funções nos próximos meses. Não chegámos ao fim da estrada, mas continuamos a caminhar nesse sentido.
Em março, Jean-Claude Juncker disse que serão necessários 20 a 25 anos até a Ucrânia aderir à UE. Como comenta este prazo?
A UE enfrenta muitos desafios e terá que mudar para responder a esses desafios. Neste momento, pensar numa qualquer escala temporal não passa de um exercício teórico e intelectual. Depende da nossa capacidade para implementar as reformas necessárias. E depende da UE, das suas mudanças e da forma como dar resposta aos desafios que enfrenta.
Falemos da Rússia. Nos últimos meses houve algum tipo de progresso na implementação dos acordos de paz de Minsk?
A Rússia não tem interesse em que haja. Primeiro têm de parar com os bombardeamentos e fazer a retirada das tropas, mas não há interesse da parte da Rússia em fazê-lo. E não é Donbass que está em causa. O objetivo russo é criar instabilidade na Ucrânia e na Europa. É importante que a Europa entenda que a questão ucraniana é uma questão existencial para a própria UE. Se a Europa não conseguir garantir o primado da lei internacional numa área tão importante como a Ucrânia, quem irá confiar na UE noutras matérias? Deixar que se-jam alteradas as fronteiras de um país europeu é abrir uma caixa de Pandora.
A devolução da Crimeia é um ponto-chave para a Ucrânia?
É um ponto fundamental. No domingo [ontem] vai haver eleições parlamentares na Rússia e foram incluídas quatro circunscrições na Crimeia. Para mim isto coloca em causa a legitimidade de todo o processo eleitoral. Se a ocupada Crimeia conta para as eleições da Federação Russa que tipo de credibilidade terá o futuro parlamento russo? Esse será o próximo teste para a UE. A UE vai trabalhar e vai reconhecer esse Parlamento?
Recentemente Milos Zeman, o presidente da República Checa, afirmou que a Crimeia, apesar de ter sido "anexada" pela Rússia, nunca poderá ser devolvida à Ucrânia. Como comenta?
A posição oficial da República Checa sobre o assunto é muito clara, reconhece que houve uma anexação ilegal. Precisamos de lideranças fortes para levar adiante o projeto europeu e esse projeto não é possível com áreas ocupadas. A Ucrânia irá lutar pela Crimeia com todos os meios políticos e pacíficos ao seu dispor.
O presidente ucraniano, Petro Poroshenko, disse recentemente que a Rússia quer toda a Ucrânia.
Sim, a Rússia não se preocupa com Donbass. O objetivo russo é destruir a Ucrânia. Querem destruir a nossa democracia e o caminho europeu. A ideia é fragmentar o país para acabar com a nossa unidade e dessa forma estenderem a sua influência. Jamais o permitiremos.
Os países bálticos devem temer algum tipo de agressão?
Definitivamente. Se alguém quebra as regras e não recebe uma verdadeira punição... A Rússia está preparada para fazer qualquer coisa. É preciso que a Europa tenha isso em mente. A Rússia tem vindo a travar uma guerra híbrida contra a UE através, por exemplo, do apoio que dá a forças extremistas. O objetivo é enfraquecer e fragmentar a Europa.
Estamos a viver uma segunda guerra fria?
Não é uma guerra fria, é uma verdadeira guerra híbrida. E na Ucrânia a guerra também não é fria, é real. Há tropas regulares russas instaladas na Ucrânia, pelo menos seis mil soldados em Donbass. Estamos a viver uma situação ainda mais perigosa do que durante a guerra fria.
Mais perigosa?
Acredito que sim. A guerra híbrida pode assumir qualquer dimensão: propaganda, luta armada, terrorismo económico, provocar instabilidade, tráfico, instigar ódio... A guerra fria tinha que ver com um equilíbrio de forças. Agora tem que ver com tudo. É uma guerra muito perigosa.
Como descreveria Vladimir Putin?
[Risos] É melhor pedir-lhe a ele que se descreva a si próprio. O que eu vejo é uma Rússia que não se preocupa em cumprir regras. E esse é um problema para toda a comunidade internacional.
E sobre Sergei Lavrov, o seu homólogo russo, o que tem a dizer?
O problema não é Lavrov ou outro qualquer. Não tem que ver com personalidades. Todo o sistema desemboca numa figura.
Quando foi a última vez que se encontrou com Lavrov?
Tivemos algumas conversas sobre os prisioneiros políticos, mas já foi há bastante tempo. Posso dizer-lhe que, desde 2014, houve 12 encontros ministeriais.
Dão-se bem os dois?
Não se trata da nossa relação. O que está em causa são as posições oficiais, e a agressão russa contra a Ucrânia.
No caso da Crimeia, a solução poderá passar pela criação de uma espécie de república autónoma?
A única solução passa pela devolução da Crimeia. Aí não há nada a negociar .
A solidariedade da União Europeia para com a Ucrânia pode estar a ceder?
Não, de forma alguma.
Sobre as sanções a Moscovo, o primeiro--ministro eslovaco, Robert Fico, escreveu no Facebook: "É tempo de lidar com o assunto de forma racional e admitir que elas [as sanções] prejudicam quer a UE quer a Rússia."
Eu seria o primeiro a defender alterações nas sanções desde que a Rússia cumprisse com Minsk. De qualquer forma, a posição oficial eslovaca é muito clara. A Eslováquia apoia as sanções e ainda na semana passada apoiou o prolongamento.
Não o preocupa que haja líderes europeus com este discurso, defendendo que as sanções devem ser levantadas ou suavizadas?
Ele não disse isso. Disse que é preciso olhar para o problema. Volto a dizer que a posição da Eslováquia é muito clara. As sanções são um instrumento para levar ao cumprimento dos acordos de Minsk. Hesitar nas sanções iria enfraquecer a posição da UE.
Disse que a Europa precisa de lideranças fortes para lidar, por exemplo, com a Rússia. A Europa tem essas lideranças fortes neste momento?
Vejo vários líderes fortes na Europa, mas não vou dizer quais são os mais e os menos fortes. Seria incorre-to da minha parte. O meu ponto é que a Europa precisa defi-nitivamente de uma liderança forte para se salvar da fragmentação e da divisão.
Deixe-me colocar-lhe o seguinte cenário: a Rússia, nas negociações de paz sobre a Síria, aceita deixar de apoiar Assad em troca do levantamento das sanções. Parece-lhe plausível?
A Rússia adoraria fazer qualquer negócio. A Rússia entende a instabilidade como um bem transacionável, gosta de fazer negócios com a instabilidade. Mas é muito perigoso negociar e fazer acordos com Vladimir Putin.
A ucraniana é a terceira maior comunidade estrangeira em Portugal. O que sabe sobre a sua integração?
Diria que já não é propriamente uma comunidade estrangeira. São muitos milhares de ucranianos que estão completamente integrados, que falam português praticamente sem sotaque e que respeitam a cultura portuguesa. Para os ucranianos que vivem cá Portugal é uma segunda casa.
O que o trouxe a Portugal?
Há muito que esta visita estava planeada. Hoje [sexta-feira] vamos assinar o mapa de relações bilaterais, que abarca várias áreas: política, economia, aspetos humanitários. Por outro lado, é preciso demonstrar gratidão a Portugal pelo constante apoio que temos recebido em relação à integridade territorial da Ucrânia.